quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Nectarina

Eu morava numa casa de 3 quartos, 2 banheiros, sala, copa, cozinha e um amplo quintal. Toda terça e quinta, ela aparecia para fazer a limpeza. Era jovem e inexperiente. Num acesso de bom mocismo, eu lhe concedera o 1º emprego.Nossos diálogos resumiam-se em duas palavras: “bom dia”. Eu saía para trabalhar e só voltava à vê-la na próxima faxina. Eu me esforçava, mas nunca lembrava o seu nome.Certo dia, resolvi fazer o teste da limpeza. Peguei uma maçã na fruteira e joguei embaixo do sofá. Após um mês constatei que a maçã continuava no mesmo lugar. Não comentei nada com a faxineira. Na verdade, acabei me esquecendo de demití-la.Os meses passaram e um cheiro agradável de maçã começou a impreguinar a casa. Pelos meus cálculos, faziam uns 6 meses que a maçã estava embaixo do sofá. Me abaixei e vi algo esquisito. A fruta entrara em decomposição e dado origem à um ser estranho. Parecia um verme, mas sua aparência não era repugnante. Era uma espécie de bicho da maçã. Ele sorriu pra mim. Peguei um pouco de whisky para batizá-lo. A partir daquele dia, o bicho atenderia pelo nome de Buk.Eu e Buk nos tornamos grandes amigos. Ele crescia rapidamente e quando alcançou o tamanho de um pequeno cachorro, comprei uma coleira para passearmos. Nas tardes de sábado, eu levava Buk no Parque Municipal. As mulheres ficavam maravilhadas. Todas queriam acariciar meu bicho da maçã.A alimentação de Buk, assim como a minha, era composta basicamente de misto quente. Eu ligava o tostex e ele fazia a maior festa. Depois comia sem mastigar. De sobremesa, tínhamos gelatina.Nos domingos, ficávamos em casa ouvindo Chet Baker. Eu lia Kerouac em voz alta e observava o fascínio no semblante do bicho, encantado com as viagens do escritor.Muitas mulheres iam me visitar. Elas seguiam pro quarto comigo, enquanto Buk ficava na sala assistindo documentários sobre animais. Ele adorava.Numa segunda-feira nublada, enquanto tirava o carro para ir trabalhar, percebi que havia deixado a porta de casa aberta. Saí do carro correndo, mas foi tarde. Buk havia fugido em direção à rua. O motoboy não teve tempo de desviar. O impacto foi fulminante.Meu coração se encheu de dor e tristeza. Neste momento eu acordei. Estava suando frio. Saí da cama tenso e corri até a fruteira. Ela estava cheia de maçãs. Todas de plástico.


alysson*


*Publicitário, músico, editor do site Beerock e amante de literatura alternativa.

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